terça-feira, outubro 10, 2006

Vasco Santana - in memoriam

Aqui vai o prometido. O diálogo do saudoso actor Vasco Santana sobre reformas ortográficas.
Com alguma dificuldade e certas falhas, pois o som original já está muito gasto.

"Olha o doutor Coca-bichinhos! Como tem passado Vossa Excelência?
- Ora ainda bem.
- Olhe que ando muito atrapalhado com as línguas. V. Exa. conhece a linguística, tem relações com a fonética?
- Eu conheço uma data de raparigada, mas dessas nunca ouvi falar, não senhor.
- Quer dizer que V. Exa. é um ignorante como os outros.
- Não é para me gabar, mas já me têm chamado ignorante.
- V. Exa. não conhece os preceitos da reforma ortográfica, indispensáveis para evitar as discrepâncias da escrita, que estão a comprometer muito a língua.
- Ò senhor doutor, eu aí nunca tive discrepâncias. Tenho tido aftas, mas nunca tive discrepâncias.
- Ora vamos lá a saber uma coisa. Como é que o senhor se chama?
- Oh, senhor doutor, eu tenho um nome muito compriiiiido. Na intimidade chamam-me Zé...
- Ora diga-me lá: Zé tem acento ou não tem?
- Lá ter, tenho. Faço é muito pouco uso dele...
- Pois faz mal. V. Exa. tem por força que pôr o acento no Zé.
- Isso agora, mais devagar. Ponho se quiser!
- E diga-me lá uma coisa: V. Exa. é de opinião que se deixe ficar o acento antes do.......
- Sim, senhor. Pelo menos um quarto de hora.
- Perdão, não é nada disso.
- É sim, senhor doutor, alfavacas...
- Qual vaca, nem vaca nem meia vaca, nem carneiro... por exemplo, na palavra "Cúmulo", tem que ter um acento muito aberto, para se ouvir bem: cú-mu-lo.
- Ah, tem que se abrir o ...
- Exactamente. Em compensação, em "irmão colaço", colaço não precisa de acento.
- Pois não! "Cú lasso" já é aberto, por sua natureza!
- E nas miudezas, o que é que o senhor costuma pôr?
- Conforme, senhor doutor, ervilhas, cenouras, arroz...
- Oh, senhor! Dá-me a impressão de que estou falando a um cozinheiro.
- Ah, ah, ah! Cozinheiro não sou, não senhor doutor. Sou capaz de fazer um jantar. E sou capaz de o comerrrr!
- E o senhor sempre com a comida. E nas miudezas põe um trema, não é verdade? Assim como tem que o pôr na linguiça!
- Ò senhor doutor, mas então fico com a linguiça... tremada.
- É preciso muito cuidado com as letras que foram eliminadas. "Capa", por exemplo, já não há.
- Ah, pois não, agora anda toda a gente de gabardina.
- Com o valor das letras é necessário o máximo cuidado; o "xis" tem sempre o valor de "xe" e não de "ecse".
- E o "ch" já não se usa?
- Não, o "h" é inútil.
- Mas então, se o "ch" tem só o valor de "que", eu já não posso dizer é a minha morada. Sou logo multado.
- Ora essa! Onde mora o senhor?
- Moro na Travessa das ...
- Diga, diga!
- Bem... das Chagas, "ch" Chagas, 24-3.º Dto., uma casa às suas ordens.
- Muito obrigado!