sexta-feira, setembro 22, 2006

Calendário

Para hoje eu tinha planeado um tema completamente diferente, sobre termos agora empregues na política, e que, na sua origem, tinham significados muito diferentes.
Mas depois lembrei-me que nos próximos dois dias não vou poder escrever o meu registo diário, porque esta noite começam as festividades de Rosh Hashaná, o ano novo judaico, que se prolongam por sábado e domingo.
Os dias do calendário começam aqui com o aparecimento das estrelas e terminam ao por do sol do dia seguinte. Porquê? É uma questão de ponto de vista. Segundo o relato bíblico, primeiro houve trevas e depois foi criada a luz. Portanto primeiro foi noite e depois foi dia.
Pareceu-me, pois, que seria apropriado conversarmos hoje sobre o CALENDÁRIO, um tema que dá pano para mangas.
Comecemos pela etimologia: o termo calendário chegou-nos através do latim calendarium, que era simplesmente o "log" dos prestamistas, o livro em que eles assentavam os empréstimos que faziam e o dia em que se venciam.
O nome veio-lhe de calendae, o primeiro dia do mês romano, que era oficialmente o dia em que se venciam todas as dívidas. E porquê calendae? Kal era o verbo que designava anunciar, proclamar, e o início de cada mês era proclamado, para conhecimento do público. Não havia calendários...

Os gregos não tinham calendas. Por isso, quando dizemos que qualquer coisa vai acontecer "para as calendas gregas" referimo-nos a uma data que não existe, ou na linguagem popular, "no dia de S. Nunca à tarde".

O calendário que hoje usamos em quase todo o mundo, pelo menos para assuntos civis e fiscais, mesmo nos países que usam um calendário religioso diferente, é um calendário solar, que tem como unidade principal o ano, cuja duração se aproxima o mais possível do ano tropical da Terra, ou seja o tempo que leva um ciclo completo de estações e a rotação do nosso planeta à volta do Sol. Assim facilita o planeamento das actividades agrícolas. Está dividido em 12 meses, de 30 ou 31 dias, excepto Fevereiro, que conta apenas com 28 dias ou 29 nos anos chamados bissextos, para acertar, mais ou menos, a diferença de algumas horas no ciclo solar.

A minha professora da 2.ª classe, a querida D. Manuela, ensinou-me assim a decorar o número de dias de cada mês:

Trinta dias têm Novembro,
Abril, Junho e Setembro;
De vinte oito há só um
Os mais outros trinta e um!


Novembro, dissemos, e vemos que deriva do número nove, o nono mês. Pelo mesmo raciocínio Setembro é sétimo mês, Outubro é o oitavo mês, e Dezembro o décimo.
Mas isto, então, não bate certo, pois Setembro é o nono mês, Novembro o décimo primeiro, etc.
A explicação é simples: no princípio o ano começava no mês de Março.

Também na Bíblia o primeiro mês do ano, o mês de Nissan, começava na primavera.
Então como é que os judeus comemoram agora, no Outono, o Ano Novo. Por estranho que pareça, o Velho Testamento manda celebrar o Rosh Hashaná ("cabeça do ano") no primeiro dia do 7.º mês, o mês de Tishri.
É que antigamente a concepção do ano era diferente.
O Talmud explica que há quatro (!) princípios do ano:

1 de Nissan – é o principio do ano para os meses, para a contagem dos reinados de cada monarca, e para os festivais religiosos.
1 de Elul – é o princípio do ano para o pagamento das dízimas aos levitas no Templo, sobre as cabeças de gado;
1 de Tishre – é o dia em que o Mundo foi criado, e portanto o dia para a contagem dos anos.
1 de Shevat (segundo Rabi Shamai) ou 15 de Shevat (segundo Rabi Hilel) é o ano novo das árvores, em que se pagava aos levitas a dízima dos frutos e produtos agrícolas.

O ano judaico é lunar. Cada mês tem início na noite em que aparece a Lua Nova. Daí que os meses são mais curtos, não chegam para completar um ciclo solar. Para os agricultores não perderem a cabeça, há um sistema complicado que acrescenta aos doze meses, mais um em determinados anos de um ciclo de 19 anos.
Daí que as datas do calendário judaico variam de ano para ano em relação ao calendário comum, mas acertam com o ciclo das estações..
E daí também a razão das chamadas "festas móveis" do Cristianismo, que estão relacionadas com festividades que já existiam no Judaísmo, como a Páscoa e o Pentecostes, cujas datas, por isso, se regulam pela lua.

Já os maometanos também regulam o seu calendário pelo ciclo lunar, mas não dispõem de um mecanismo de acerto com o ciclo solar, como os judeus.
Por isso, as festividades da religião muçulmana ocorrem, cada ano, numa época diferente.
O mês do Ramadão, o mês do Jejum de 30 dias, ocorre, por vezes, na época do Natal, outras, como este ano, na altura no Ano Novo Judaico, com muitas outras variantes.
Ramadão é o nono mês do calendário lunar do Islão. O seu nome deriva da raiz árabe ramd, significando queimar, provavelmente porque, jejuando durante trinta dias e comendo somente à noite, os fieis do Islão esperam assim "queimar" os pecados que cometeram durante o ano.
O dia de início do Ramadão é anunciado tradicionalmente a partir de Meca, na Arábia Saudita, no momento que a lua nova é vista fisicamente. Por isso a data nunca é anunciada antes dessa comunicação.

Também o Ano Novo judaico é o primeiro dos Dez Dias de Penitência, que termina no dia de Kipur, ou da Expiação. São dez dias de meditação e de arrependimento, para que os pecados passados sejam perdoados.

Para os meus possíveis leitores judeus, desejos de SHANÁ TOVÁ.
Para os meus possíveis leitores muçulmanos RAMADAN MUBARAK.
E para todos os outros possíveis leitores, MUITA SAUDE E FELICIDADE em todos os dias de todos os anos.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Excelente blog! Parabéns, Inácio! Serei um fiel cliente.

António

4:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Excelentes textos!

Um anovo ano repleto de êxitos!

J.M.

6:22 da tarde  
Blogger Marco Oliveira said...

O primeiro dia do calendario baha'i tambem coincide com o incio da primavera.

Só um preciosismo de linguagem: "maometanos" não me parece uma expressão correcta, no sentido em que os muçulmanos não veneram a pessoa de Maomé.

Um feliz ano novo!

8:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ja tinha escrito, apreciei o seu blog. É sempre bom aprender com quem sabe e tem jeito para ilustrar,

Shalon

3:25 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O nome veio-lhe de calendae, o primeiro dia do mês romano, que era oficialmente o dia em que se venciam todas as dívidas


Meu Caro, nunca os portugueses entenderam o Latim, as dividas por cá vencem-se todos os dias, não há dia que não se vença uma e não se pague

3:30 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns pelo blog. Para incluir na leitura diária.

Feliz Ano Novo.
שנה טובה

F.Bret

7:42 da manhã  
Blogger Al Cardoso said...

SHANA TOVA...

Caro Inacio.

11:33 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Relembrei coisas aprendidas, mas por nunca mais pensadas, esquecidas.
Virei mais vezes.

5:56 da tarde  
Blogger Alda M. Maia said...

Cheguei aqui através da Rua da Judiaria e, sem pretender ser lisonjeira, acho este blogue excelente.
Sempre fui apaixonada pela língua portuguesa, mas, sobretudo, pela origem das palavras.
Lê-lo-ei sempre com verdadeiro interesse.
Que um seu comentarista me permita e perdoe uma observação: a palavra "maometano" não é um preciosismo de linguagem, mas um vocábulo correcto (maometano - seguidor da doutrina pregada por Maomé; relativo à religião por ele fundada)
Shalom
Alda

8:03 da tarde  
Blogger Pedro Ludgero said...

Descobri agora o seu blog, e parece-me fascinante. Espero que partilhe sempre tudo isto com o máximo rigor que consiga.

12:11 da manhã  
Blogger Unknown said...

Inacio, antes de tudo o mais, bem vindo ao mundo dos blogues.

Mas sigo comentando a expressão "maometano" que usaste no texto e que mereceu dois comentários anteriores. Existe, de facto, a palavra "maometano", mas tem um carga (religiosamente) depreciativa, aliás, como "mosaico" ou "mosaísmo".
As duas palavras eram usadas em português com o intuito de retirar a duas religiões a figura de Deus, que, assim, é visto apenas como o Deus dos cristãos.

10:38 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bom-dia
" "O homem põe e Deus dispõe" – diz o nosso ditado "

o nosso qual ? Português? hebraico ? ambos ?
Cumprimentos

9:52 da tarde  

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