segunda-feira, setembro 18, 2006

Peru

Hoje vou falar-vos daquela ave que, segundo diz um provérbio irlandês, nunca votaria pela antecipação no Natal.
É o tradicional peru do Natal, ou para os americanos, do Thanksgiving, o dia de acção de graças.
Pois tudo bem com o peru, cujo destino culinário, aqui onde eu vivo, está mais associado com o "shnitzel", uma espécie de bife de peru, frito em ovo, e algumas vezes com sementes de sésamo, numa imitação "pobre" do mais nobre "shnitzel" de Viena, um corte especial de carne, tradicional no país dos austríacos.
A pergunta que se põe geralmente é por que razão o bicho tem nome de país, mas varia de país, de língua para língua.
Em português é peru, em inglês turkey , em francês dinde (coq d'Inde), em polaco e em Yidish, indik, e noutras línguas tem outros nomes, sobre cujas etimologias ainda me não debrucei.
Pois a pátria do peru é o território hoje designado por México, e foram os astecas os primeiros a domesticá-lo. Como ave selvagem existia também nos territórios dos Estados Unidos de hoje.
Deveria então chamar-se "galo do México"? Mas não, nem os mexicanos o chamam assim. No México é "guajolote", um termo da língua nativa azteca, que significava "grande monstro". A atribuição desse horrível atributo ao pacífico "glu-glu" tem origem numa antiga lenda local, que não vem agora para o caso.
No Peru (país) é que ele não existia, nos princípios da colonização.
Mas para nós, portugueses, naquela altura tudo quanto fosse território espanhol nas Américas era Peru.
E dai, quando os espanhóis trouxeram a ave para Espanha, e lhe chamaram "pavo", ou seja "pavão" (que eles distinguiam chamando a este último "pavo real"), demos-lhe o nome de "galinha do Peru" ou "galo do Peru".
Peru, por sua vez, é um nome geográfico de origem ambígua, provavelmente da palavra nativa Birú, que significava rio, ou do nome de um chefe indígena.
Já nos princípios da colonização no Novo Mundo, Diogo do Couto, nas suas "Décadas", se refere ao bicho como "galo do Peru".
Foram os mercadores do Mediterrâneo Oriental que levaram o peru até às ilhas britânicas. E como para os ingleses tudo quando se referia ao Levante era Turco, o pássaro foi baptizado de Turkey, nome por que hoje é mais universalmente conhecido, graças à expansão da língua inglesa.
Já na Turquia não é assim. Chamam-lhe "hindi". Pois não veio ele das Índias Ocidentais?
E também em francês, pela mesma razão, hoje chama-se "dinde", uma contracção do original "coq d'Inde".
A confusão entre as Índias Orientais e as Índias Ocidentais sempre existiu. Daí os alemães começarem por designar o peru por "Calecutisher Hahn", ou "Galo de Calcutá". Hoje chama-se em alemão puter, para o macho, e truthunner para o genérico.
Aqui em Israel chama-se simplesmente Hodu, que designa a Índia (oriental) ou "tarnegol Hodu", galo da Índia. E toda a gente come "shnitzel hodu", a que já me referi.
É portanto uma ave com muitas pátrias.

Bom proveito.

2 Comments:

Blogger José Borges said...

Tal é provável a origem do nome Peru advir do rio Birú, que na oralidade continua a haver muito falante que em vez de Peru diz "piru"!

2:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Excelente. Já está nos meus favoritos. Já pensou publicar em livro? Seria sucesso garantido. Espero que continue.
Jaime Estorninho

2:42 da tarde  

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